Por vezes, quando me esqueço das virtualidades do português escrito, regresso a Almeida Garrett. Sobretudo ao Garrett das Viagens, essa obra que é, simultaneamente, a mais luminosa do autor (no estilo) e a mais sombria (na meditação existencial e política). O estilo é moderno, coloquial, sardónico e estrangeirado.
Mas o retrato é desencanto puro, como é próprio das almas românticas que buscam o ideal e se confrontam com a realidade. No caso, a realidade portuguesa depois das guerras civis entre liberais e absolutistas. Garrett, liberal desde a primeira hora, teria muito para festejar: o liberalismo, depois de rios de sangue, triunfara em Portugal. Mas triunfara para quê, ou para quem, se a verdadeira vitória foi a dos "homens sem qualidades" - aqueles que, nas palavras de Oscar Wilde, sabem o preço de tudo e o valor de nada?