Ela não era filha de Zeus e Mnemosine, nem se chamava Euterpe, mas por eleição unânime e informal, consagrou-se como a musa da bossa nova. Capixaba, Nara Lofego Leão, a caçula do casal formado pelo advogado dr. Jairo e sua esposa dona Tinoca, tinha um ano, quando estabeleceu-se com a família no Rio de Janeiro. Ofuscada pela eloquência paterna e a exuberância da irmã, nove anos mais velha - a futura modelo e influente personagem da cena carioca, Danuza Leão -, Nara começou a acumular apelidos e reclusões voluntárias.
Mas, a intimidada "Caramujo" e "Jacarezinho do Pântano" surpreenderia o país e o mundo transformando-se numa das mais influentes e produtivas intérpretes da MPB dos agitados anos 1960 aos 1980. De cara, reduziu a pó o epíteto original, que lhe fora pespegado tanto por méritos físicos (boca larga, sensual, olhos atilados, joelhos torneados que explodiam da minissaia) quanto estéticos.
Dominava o repertório e os modernos acordes do violão bossa nova, movimento em grande parte gestado no lar liberal dos Leão, frequentado por alguns dos principais artífices das mudanças. Mas, como escreveu na contracapa de um dos discos da cantora, Chico Buarque, um dos compositores que ela descobriu e incentivou, "Nara foi se desmusando, se desmusando...". E não parou mais, como descreve o jornalista Tom Cardoso, num texto envolvente, que se lê quase como um thriller.